Com 70.908 moradores, a comunidade reflete uma realidade nacional; apesar de melhorias, Sol Nascente ainda sofre com falta de infraestrutura e serviços essenciais, enquanto luta por reconhecimento
Por Mateus Souza
A comunidade do Sol Nascente, no Distrito Federal, segundo o Censo 2022 do IBGE, é a segunda maior favela do país em número de moradores. Quem vive no local e testemunhou a ascensão do conglomerado urbano, relata que o crescimento veio de forma inesperada para a maioria dos moradores. Em pouco menos de 20 anos, a área passou de uma zona rural para uma região administrativa, reconhecida pela Lei nº 6.359, de 14 de agosto de 2019. No entanto, a mácula de ser referida como favela ainda persiste e incomoda parte dos moradores.
Atualmente, Sol Nascente, com 70.908 habitantes, perde apenas para a Rocinha, no Rio de Janeiro, que tem 72.021. O Censo 2022 revelou que a favela brasiliense também figura em terceiro lugar no número de domicílios permanentes ocupados, com 21 mil casas, atrás da Rocinha e de Rio das Pedras, também no Rio de Janeiro.
Antes de abrigar os primeiros grupos de moradores, a região era cercada por nascentes e uma ampla vegetação, típica do cerrado. Hoje, as casas são cercadas por muros, que suprimem as calçadas, onde mal há espaço para os transeuntes passarem e, menos ainda, para a vegetação crescer. Nos períodos de calor, predominantes durante a maior parte do ano, o asfalto se transforma em uma chapa quente e, nos períodos chuvosos, a cidade sofre com alagamentos devido à falta de solo permeável e sistemas de drenagem.
A expansão desordenada da favela, especialmente a partir do final do século 20, trouxe uma série de desafios para os moradores e o poder público. A falta de terrenos livres na região, consequência do crescimento acelerado, é uma das razões apontadas para a escassez de serviços públicos na área. O governo tem feito esforços nos últimos anos para melhorar a infraestrutura, com a implantação de água e esgoto encanados, energia elétrica e asfalto em algumas ruas, mas as demandas são muitas.
Além disso, a falta de lazer e segurança estão interligados. Isso porque, devido à alta densidade populacional em uma área relativamente pequena, há escassez de equipamentos e edificações de lazer, o que acarreta em uma população ociosa e aumenta as tensões internas. Outro fator que agrava a situação é a falta de iluminação pública. Há anos, os moradores tentam construir um parque, mas a grilagem de terras impede o projeto.
Reconhecimento
O dilema enfrentado por muitos moradores é a busca por uma identidade urbana. Parte deles reivindica que Sol Nascente seja reconhecida como uma cidade, mas o termo “favela” ainda gera resistência.
“Eu acho que o uso desse termo atrapalha, porque dificulta muita coisa aqui, o acesso a tudo. Para pedir um Uber é difícil, para pedir uma entrega de comida é difícil. Até remédio é difícil porque o pessoal não gosta de entrar no Sol Nascente porque acha que é favela e favela remete a perigo. Por exemplo, quando eu vou pegar um Uber. O Sol Nascente, o endereço que eu uso, ainda consta como Ceilândia, então não tem lá Sol Nascente. Então, o pessoal acha que é Ceilândia, aí quando perguntam que lugar da Ceilândia, eu falo Sol Nascente, acabam cancelando a viagem”, explica Bárbara Rangel, moradora do Sol Nascente há 3 anos.
Ela também detalha que, apesar de ter alguns problemas, a região tem passado por melhorias, que não são reconhecidas por quem é de fora.
“O pessoal tem muito preconceito, achando que aqui ainda, por exemplo, não tem asfalto, por isso que o Uber não gosta de rodar aqui, mas aqui é tudo asfaltado. Eu particularmente moro no trecho 2. A pessoa que mora no trecho 3, lá tem alguns lugares que realmente não são asfaltados, mas as pessoas não sabem disso. Acham que só por ser Sol Nascente vai ser tudo favela. Remete a pobre, pobreza e perigo”, completa.
A moradora afirma ainda que uma das principais deficiências da região é o transporte público.
“Aqui não é muito diferente de outras cidades. Assim como em outras regiões, um dos principais problemas é o transporte público. A questão dos ônibus, que deveriam existir mais linhas porque tem muitas pessoas se mudando para cá nos últimos anos, e a maioria trabalha no Plano Piloto. Mas não temos só problemas. Também temos coisas boas para a população local, como a feirinha”, finaliza
Outras melhorias
A administração regional de Ceilândia, que engloba Sol Nascente, tem se esforçado para combater a grilagem de terras e organizar a área. “O governo está ciente, tem trabalhado muito nessa questão e está empenhado para entregar vários aparelhos”, afirma Cláudio Ferreira Rodrigues, administrador regional. No entanto, a falta de planejamento urbano e a expansão desordenada continuam sendo obstáculos.
Por outro lado, a gestão do governador Ibaneis Rocha (MDB) promete a entrega de uma unidade da Casa da Mulher Brasileira, uma escola, uma UPA e uma delegacia até o final do ano, embora sem datas definitivas. A Secretaria de Obras, por sua vez, contesta o uso do termo “favela” e afirma que a região tem passado por uma transformação com investimentos em infraestrutura, como pavimentação e drenagem.
Mudança pela educação
Em abril, o presidente Lula lançou a pedra fundamental para a construção de um novo campus do Instituto Federal de Brasília (IFB) na região, como parte Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. O investimento reflete o crescente reconhecimento da área, mas o desafio para melhorar a qualidade de vida continua. A falta de serviços básicos de saúde e educação é uma preocupação constante.
A região segue com problemas que tiveram origem na base de sua formação, como quedas de energia, dificuldades no acesso à saúde, ao transporte e ao saneamento básico, além de possuir ruas estreitas e sem calçadas. Há ainda problemas de segurança pública que atrapalham o desenvolvimento da juventude local. Em um ano, a cidade pode mudar muito, como já tem mudado, e o maior desafio dos gestores é fazer com que a região administrativa deixe de ser sinônimo de favelização.
Quem vem para o Distrito Federal a procura de condições melhores acaba chegando às cidades mais afastadas, como o Sol Nascente, devido ao custo de vida. Entre o ano 2000 e 2020, a população cresceu de 7,4 mil habitantes para 70.908. Mais da metade das pessoas que chegam de outros estados são nordestinos. Ao perceber a realidade da formação local, já é possível perceber várias atipicidades, que denotam a necessidade de investimentos em setores essenciais.
Ao analisar os índices da educação, essa necessidade de se atentar à forma com que os investimentos são feitos fica ainda mais evidente. O último censo do IBGE, de 2022, apontou que 65,5% das crianças do Sol Nascente que estão na primeira infância não estão matriculadas em creches. Além disso, a taxa de evasão escolar é muito superior à média do Distrito Federal. Dito isso, é inegável a importância em investir na educação de nível superior, já que ela é de fato um instrumento de mudança social, contudo, a educação básica naturalmente precede e influencia todos os índices educacionais. Caso esse investimento não ocorra, o mais natural é que alunos de outras regiões administrativas se matriculem na unidade do Sol Nascente, porque a juventude local sequer terá condições básicas de frequentar as aulas.
Cenário nacional
Sol Nascente é apenas um exemplo de como o Brasil lida com o crescimento desordenado e os desafios da urbanização. O Censo 2022 revelou que 16,4 milhões de brasileiros vivem em favelas e comunidades urbanas em 656 municípios, o que corresponde a 8% da população do país. O Norte do Brasil lidera a proporção de pessoas morando em favelas, com cidades como Belém e Manaus enfrentando desafios semelhantes aos de Sol Nascente, como a falta de infraestrutura e serviços públicos.
Em Belém, que receberá a COP30 em 2025, o crescimento das favelas e as ocupações irregulares são questões que demandam atenção urgente. Jorge Tedson, presidente da Central Única das Favelas (Cufa) no Pará, alerta para o impacto das ocupações em áreas de risco e a necessidade de um planejamento urbano que considere as condições de vulnerabilidade ambiental da população. Com o Brasil enfrentando um cenário de desigualdade social e falhas na regularização fundiária, fica claro que, apesar dos avanços, o caminho para a integração das favelas ao tecido urbano formal ainda é longo.