O modelo de capitalização da Eletrobras dá ao governo poder de veto em questões societárias da nova empresa, para impedir que novos sócios tenham grande influência sobre sua gestão. Esse poder é concedido pela chamada golden share, uma ação especial que ficará com a União.
A privatização da estatal será feita por meio de uma oferta de ações ordinárias, com direito a voto, sem que o governo possa comprar novos papéis. A ideia é reduzir a fatia do governo para menos de 45% do capital com direito a voto da companhia, eliminando a figura do acionista majoritário.
Atualmente, a União tem 51,82% das ações com direito a voto. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem outros 16,78%, e fundos governamentais, outros 3,62%.
As ações da União equivalem a 42,57% do capital total da companhia. Incluindo ações preferenciais, o BNDES tem 16,14% do capital total.
Ao reduzir sua participação nas ações ordinárias a 45%, a União passaria a ter 37% do capital total.
Segundo a proposta aprovada pelo Congresso, a golden share garante à União poder de veto em votações por acionistas com fatias superiores a 10% e em eventual negociação de acordo de acionistas, como ocorreu na Vale, onde Bradesco e fundos de pensão criaram um grupo para controlar a empresa.
A ideia é manter a Eletrobras como uma corporation, termo que identifica empresas com controle pulverizado. Para isso, a lei estabeleceu também a obrigação de venda de ações por investidores que eventualmente chegarem a grande fatia do capital.
Acionistas que chegarem, direta ou indiretamente, a 50% do capital votante terão 120 dias para voltar à posição anterior. Caso contrário, serão obrigados a vender papéis por 200% da média de preço dos 504 dias anteriores, atualizada pela Selic.
Aqueles que ultrapassarem 30% do capital votante terão o mesmo prazo para se desfazer dos papéis ou terão que vender pelo dobro da média de cotação dos 504 dias anteriores.
Atualmente, os acionistas privados com participação relevante no capital total companhia são o Banco Clássico, do banqueiro Juca Abdalla, com 4,18% do capital total, e a gestora de recursos 3G Radar, com 1,96%.
Com o avanço do processo de capitalização, as ações ordinárias da empresa se valorizaram 31,6% em 2022. As preferenciais subiram 30,6%.
Pelo modelo de venda, a expectativa é que a capitalização atraia fundos de investimento, não operadores do setor energético, cujo interesse é maior por empresas nas quais possam exercer o controle ou ter maior poder de influenciar a gestão.
Responsável por quase um terço da capacidade de geração de energia do Brasil, a Eletrobras é a maior empresa de energia da América Latina. Com 105 usinas e 13 mil funcionários em todas as regiões do país, a empresa responde por 44% do sistema de transmissão nacional.
Em 2021, a empresa faturou R$ 44,4 bilhões e teve lucro líquido de R$ 5,7 bilhões. O balanço desse ano seria usado como base para definir os parâmetros de preço da oferta de ações, mas demora na análise pelo TCU (Tribunal de Contas da União) atrasou o processo.
No primeiro trimestre, período que deve ser usado como parâmetro se a capitalização ocorrer até agosto, a empresa teve lucro líquido de R$ 2,7 bilhões e receita de R$ 10,2 bilhões.
A aprovação pelo TCU ocorreu na quarta-feira (18), abrindo caminho para uma das maiores operações em Bolsa na história brasileira.
O plano do governo é obter R$ 67 bilhões ao abrir mão do controle da Eletrobras, divididos entre outorgas pagas à vista à União, um depósito à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e investimentos na bacia do rio São Francisco.
Agora, o governo corre contra o relógio para fazer a operação. O próximo passo é fazer o registro da operação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários, autarquia responsável por fiscalizar o mercado) e na SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM americana).
A necessidade de avisar o regulador dos Estados Unidos existe porque a empresa tem ações negociadas naquele país e, por isso, ambos os órgãos (CVM e SEC) precisam receber as informações.
A data-limite seria em meados de agosto, considerando o prazo legal de operações após a divulgação de balanços. A aproximação do calendário eleitoral também tende a aumentar a tensão entre investidores e pode, por consequência, inviabilizar a operação.
Quanto mais o tempo passa, maior o risco de turbulência e de a janela de oportunidade se fechar. Alguns integrantes do governo se questionam, inclusive, se essa janela já não se fechou –embora a última palavra seja de otimismo.
Levantamento da Folha de S.Paulo com base em dados da B3 nos últimos 18 anos mostra que o número médio de operações cai 34% em anos de disputa pelo Palácio do Planalto. Considerando apenas segundos semestres, a quantidade média cai quase pela metade (46%) nos anos de corrida presidencial.
A oferta busca diluir a participação da União, que precisa cair de 72% para 45%, arrecadar recursos para pagar outorga ao Estado e transformar a empresa numa corporação. Nenhum acionista poderá ter mais de 10% do total das ações.
Estão previstas ofertas prioritárias para já acionistas, empregados e aposentados. Haverá espaço para operadores institucionais e pequenos investidores. Como ocorreu em outras privatizações, será possível usar metade dos recursos depositados no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), via fundos, para participar da oferta.
Próximos passos
- Após aprovação no TCU, bancos iniciam processo para a emissão
- Oficializar deliberações dentro do BNDES e do governo
- Protocolar da operação na CVM e na SEC
- Lançar a oferta, tomando como base os resultado do primeiro trimestre de 2022; os prospectos já estão sendo atualizados
- Promover o roadshow, como se chamam visitas a investidores para apresentação da empresa, que será mais curto porque houve um trabalho anterior e há pressa para chegar a emissão
- Precificar o papel (“pricing”)
- Realizar a operação nas Bolsas do Brasil e Nova York na primeira semana de junho
Quem está na operação
Além do BNDES, há um sindicato composto de bancos privados atuando no mercado
Líderes, que apresentam a companhia:
Bank of America
BTG Pactual
Goldman Sachs
Itaú BBA
XP Investimentos
Bookrunners, que fazem reservas:
Bradesco BBI
Caixa Econômica Federal
Citi bAN
Credit Suisse
JP Morgan
Morgan Stanley
Safra
Privatização da Eletrobras começou nos anos de 1990 e sofreu vários percalços
FHC (1995-2002): No governo FHC iniciou-se a tentativa de vender a Eletrobras para o setor privado. A medida sofreu resistência e não se concretizou, mas durante o seu mandato, o presidente privatizou quase todas as distribuidoras, entre elas, a Escelsa, distribuidora do Espírito Santo, a Light, do Rio de Janeiro, e a Gerasul, que atuava no sul do país
Lula (2003-2010): Além de colocar na gaveta o plano de privatizar a estatal, o governo PT freiou as vendas de distribuidoras, mas seguiu com leilões de transmissão e geração de energia. Entre as iniciativas que marcaram aquele momento estão o início dos leilões de energia eólica, em 2009, e o da Usina de Belo Monte, em 2010
Dilma (2011-2016): Em seis anos no poder, Dilma seguiu a cartilha adotada por Lula. Foram feitos leilões de linhas de transmissão e de hidrelétricas –como a Três Irmãos, em São Paulo
Temer (2016-2018): Dois meses após assumir a Presidência, Temer retoma as privatizações e limpa um dos maiores passivos da Eletrobras, vendendo distribuidoras estaduais deficitárias que esttava sob o guarda-chuva da Eletrobras. Foram seis ao todo
Bolsonaro (2019-2022): Além de trazer os planos de privatização da Eletrobras à baila novamente, Bolsonaro seguiu os passos de Temer nos leilões de distribuidoras, como os da CEB (Companhia Energética de Brasília) e da CEA (Companhia de Eletricidade do Amapá)