Parte dos condôminos foram forçados a vender o imóvel para arcar com as dívidas; todos aguardam uma resposta da Justiça, mas o síndico não é localizado
Por Mateus Souza
“Será que eles nos querem longe daqui?” questiona uma das moradoras do Paranoá Parque. Desde maio de 2023, os moradores do local são cobrados com taxas abusivas e incompatíveis com a renda da maioria dos residentes, que obtiveram o imóvel por meio do Programa Minha Casa Minha Vida e ainda dependem de outros programas governamentais, como o Prato Cheio e o Bolsa Família. Alguns moram no local há 10 anos e outros venderam o sonho da casa própria para arcar com as dívidas.
“Tem pessoas vendendo o apartamento a preço de banana para não ter dívida. Eu ainda estou aguardando a Justiça. Se a gente não pagar a taxa, o apartamento vai a leilão.”, explicou uma moradora.
O condomínio foi erguido com investimento da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), que tem por fim construir moradias de interesse social. No entanto, a equipe do Fatos Online conversou com os condôminos, e eles revelaram alegações dúbias do síndico, segundo o qual, o empreendimento está “em uma área nobre e não deveria abrigar pessoas de baixa renda”.
O condomínio está localizado na Quadra 2 Conjunto 1 Lote 1 do Paranoá, com todos os apartamentos de 46 metros quadrados.
“O condomínio pulou para R$ 215, mais algumas prestações de R$ 335,89. Eu desempregada, com um filho autista, estava sobrevivendo com R$ 400 de benefício do Bolsa Família, do Prato Cheio e do Auxílio Gás, porque eu não poderia deixar meu filho sozinho e precisei ficar desempregada depois que ele passou por um problema na creche. Até hoje isso me afeta psicologicamente”, disse outra moradora, que depois de vender o apartamento se mudou para uma área de invasão.
Síndico não é encontrado pela Justiça
Após uma eleição irregular, sem conselho fiscal, feito pela própria equipe do suposto sindico, a taxa ordinária subiu mais de 100% para quem pagava pontualmente. Irresignada com as irregularidades, Mell Silva Braz, outra moradora do local, requisitou por meio amigável, e depois por ação extra judicial, que fosse dado acesso a documentos que justificassem a cobrança conforme está previsto no Código Civil, como direito dos moradores. No entanto, ela não obteve respostas de Tiago Costa de Oliveira e nem da advogada indicada por ele para resolver a solicitação. Mell então entrou com um processo e, desde então, os oficiais de justiça tentaram por quatro vezes intimar Tiago em vários endereços, telefones e WhatsApp, mas não obtiveram sucesso.
Em uma decisão, de um processo do mesmo condomínio, foram identificadas despesas com matrícula do imóvel, diligências e custos cartorários, além de honorários advocatícios e custos processuais, o que não estava autorizado. Também foi identificado que a taxa extraordinária cobrada, de R$ 215,89, estava acima do limite permitido pela convenção do condomínio. Com isso, a decisão do juiz Fábio Martins de Lima determinou o reajuste do valor cobrado para R$ 60.
“No caso, embora a taxa do mês anterior fosse de R$ 120,00 (cento e vinte reais), houve acréscimo de taxa extraordinária no valor de R$ 215,89, entre os meses de maio a dezembro de 2023, sobrelevando destacar que a despesa, nessa extensão, não poderia ser superior R$ 60,00 (sessenta reais)”, detalha o processo.
Os moradores afirmaram que, quando foi eleito, há cerca de três anos, o síndico prestava esclarecimentos. No entanto, após uma assembleia — em que participaram apenas subsíndicos — foi fixada a taxa abusiva, e o síndico parou de responder às perguntas dos moradores. Além disso, ele não foi mais encontrado.
Segundo o analista jurídico consultado pela reportagem, quando o intimado é procurado por três vezes e não é localizado, o juiz manda publicar um edital de intimação.
“O edital é afixado na parede do fórum para consulta enquanto durar o prazo da intimação (que costuma variar de 15 a 90 dias). Passado o prazo, ele é considerado intimado do processo, mesmo que não compareça”, disse o especialista.
No caso em questão, por ser um processo na esfera Civil, o processo corre, e o intimado pode ter as contas bloqueadas para pagar o que deve.
Pressão para vender
De acordo com os moradores entrevistados, Tiago passou a tomar decisões sem consultar os condôminos e se aproveitou da condição de vulnerabilidade dos moradores.
“O Tiago resolveu, de alguma forma, burlar toda a situação e enganar alguns moradores fazendo uma eleição forjada, porque a eleição dele foi feita apenas com subsíndicos. Alguns moradores o questionavam, mas ele falava que havia acontecido a assembleia e ‘paciência’ para os moradores que não participaram”, detalha Glaucia, uma das moradoras entrevistadas.
Com o acúmulo das dívidas, muitos moradores foram compelidos a vender o imóvel.
“São moradores que hoje se arrependem por ter feito a venda do apartamento, porque ele (síndico) prometeu que o problema seria solucionado somente com a venda. Quando questionado, ele dizia que estávamos morando em área nobre e que não sabia como é que o governo colocou pessoas de baixa renda para morar em uma área nobre”, completa.
Ela explica ainda que a venda trouxe consequências principalmente para os moradores que não conseguiram comprar outro imóvel.
“Hoje, muitos relatam que fizeram a venda, não conseguiram comprar outro lugar, vivem de aluguel e a dívida persiste, a dívida ainda está ativa. Eu fico me perguntando se foi o intuito do governo que isso acontecesse, com moradores que não tinham sequer condições de um alimento para oferecer às crianças. Era o intuito do governo que essas pessoas fossem para a rua?”, finaliza Glaucia.