A proposta agora segue para análise das comissões da Câmara antes de ser votada em plenário. Se aprovada, caberá ao prefeito decidir pela sanção ou veto
A Câmara Municipal do Rio de Janeiro deu início à tramitação de um projeto de lei que, sob o pretexto de combater a apologia ao crime e ao uso de drogas, abre um perigoso precedente de censura artística e perseguição ao funk, rap e trap.
Batizada de “Lei Anti-Oruam”, a proposta, apresentada pelos vereadores Talita Galhardo (PSDB) e Pedro Duarte (Novo), pretende proibir a prefeitura de contratar artistas que, segundo critérios subjetivos, fariam apologia ao crime organizado.
Protocolado na última segunda-feira (17), o projeto estabelece que recursos públicos não poderão ser utilizados para financiar eventos abertos ao público infantojuvenil caso os artistas abordem determinados temas em suas letras.
Se a regra for descumprida, o contrato será rescindido e a multa aplicada será de 100% do valor acordado, com os recursos supostamente destinados ao Ensino Fundamental da rede municipal.
A proposta agora segue para análise das comissões da Câmara antes de ser votada em plenário. Se aprovada, caberá ao prefeito decidir pela sanção ou veto.
Censura seletiva
O nome “Lei Anti-Oruam” não deixa dúvidas sobre o alvo da iniciativa: o funkeiro Oruam, filho do traficante Marcinho VP, que se tornou um dos principais nomes do trap nacional. O artista se manifestou sobre o assunto, destacando que a proposta não mira apenas nele, mas toda a cena musical que dá voz às periferias.
“Eles sempre tentam criminalizar o funk, o rap e o trap. Coincidentemente, o universo fez um filho de traficante fazer sucesso. Eles encontram a oportunidade perfeita para isso. Virei pauta política, mas o que vocês não entendem é que a Lei Anti-Oruam não ataca só o Oruam, mas todos os artistas da cena”, afirmou o cantor em suas redes sociais.
Guerra ideológica
Esse tipo de iniciativa não é novidade e faz parte de um movimento mais amplo de criminalização de expressões artísticas ligadas à cultura periférica. Em janeiro, um projeto semelhante foi apresentado na Câmara Municipal por Amanda Vettorazzo (União Brasil), e no Congresso Nacional, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil) também propôs uma medida nos mesmos moldes, mas em nível federal.
A grande questão é: quem define o que é “apologia ao crime”? Muitas das letras que incomodam os proponentes dessas leis são, na verdade, retratos da realidade brutal das favelas, um registro social que, em vez de ser combatido, deveria servir de alerta para políticas públicas eficazes.
A tentativa de silenciamento não resolve os problemas do tráfico ou da violência – apenas reforça a desigualdade ao calar vozes que denunciam o abandono e a falta de oportunidades.