Enfermeiros temem ser abordados, ameaçados ou agredidos verbalmente por manifestantes contrários ao aborto
Uma menina de 13 anos, estuprada por um homem de 24 anos, busca na Justiça o direito legal ao aborto. O caso, que ocorreu em Goiás, tem gerado repercussão nacional. A história ilustra o embate entre grupos antiaborto, além do pai da garota — que se opõem ao procedimento — contra os que temem pela vida da jovem, visto que a gestação representa um risco. O caso também salienta a polarização ocasionada pelo crescimento de movimentos conservadores.
Antes mesmo da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou pela interrupção da gravidez, grupos antiaborto coagiram a vítima e profissionais no hospital. As ameaças fazem com que enfermeiros temam pela própria integridade física e evitem sair pela porta da frente do hospital.
Cronologia
Inicialmente, a Justiça de Goiás proibiu o aborto, mas o STJ garantiu o direito da adolescente. A presidente do tribunal superior, Maria Thereza de Assis Moura, determinou que o aborto legal deve ser realizado nos próximos dias, revertendo a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). A ministra explicou que a situação vivida pela vítima “impõe imediata intervenção para cessar o constrangimento ilegal” a que ela está submetida.
A adolescente esclareceu ao Conselho Tutelar que desejava fazer o aborto e chegou a ser levada para o Hemu com 18 semanas de gestação, mas foi impedida pelo pai. O homem é assistido por um grupo de advogados e argumentou à Justiça que o aborto não poderia ser realizado, pois não havia relatório médico indicando gravidez de risco, e o estupro ainda estava sob investigação.
Durante uma consulta pré-natal de alto risco, a menina expressou o desejo de entrar sozinha para ver a médica, mas o pai e os advogados pressionaram e conseguiram acompanhar todo o procedimento. O pai da menina e os advogados insistiram em acompanhar todos os procedimentos presencialmente, incluindo consultas de rotina, chegando a tirar fotos do interior do hospital.
Além da atuação de pessoas ligadas à religião, o pai da vítima está sendo apoiado por uma rede conservadora que costuma agir em casos semelhantes em Goiás. A estratégia é sempre tentar retardar ao máximo a realização do aborto, com auxílio judicial, até que ele se torne inviável.
De acordo com funcionários do Hospital Estadual da Mulher Dr. Jurandir do Nascimento (Hemu), situações similares têm se tornado comuns sempre que uma adolescente, vítima de violência sexual, busca realizar um aborto legal. No hospital, que é público e especializado no atendimento à mulher, geralmente são realizadas interrupções de gravidez por estupro. Após diversas interrupções e tumultos, a adolescente chegou na 29ª semana de gravidez.
Maria Thereza ressaltou que se trata de um caso de “presunção absoluta de violência” devido à tipificação do crime como estupro de vulnerável. Assim como foi destacado pela magistrada, o artigo 217 do Código Penal brasileiro estipula que “aquele que tiver qualquer tipo de relacionamento amoroso com alguém que não tenha completado 14 anos está sujeito a ser responsabilizado pelo crime de estupro”, independentemente do consentimento da vítima.