Governo federal turbinou repasses para cumprir com prazo fixado em acordo com o Congresso
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) autorizou a liberação de R$ 7,7 bilhões em emendas Pix, das quais mais da metade, R$ 4,25 bilhões, deve ser paga antes das eleições municipais. A medida levanta preocupações sobre a falta de informações detalhadas da utilização dos recursos, contornando a legislação eleitoral e uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que exige transparência.
A emenda Pix consiste em recursos pagos pelo governo federal a estados e municípios a pedido de deputados e senadores, sem a exigência de transparência e sem finalidade definida. A falta de clareza dificulta a fiscalização, pois é possível saber qual parlamentar indicou e qual município recebeu, mas não como o dinheiro foi gasto.
Liberações e irregularidades
As liberações, conhecidas tecnicamente como empenhos, ocorreram em 26 de junho, com o governo comprometendo-se a repassar mais da metade do valor total até 5 de julho. Do total, R$ 232,5 milhões foram pagos antecipadamente a municípios gaúchos e outras cidades que decretaram calamidade pública. A lei eleitoral proíbe o pagamento de emendas três meses antes das eleições, exceto para obras em execução, mas a emenda Pix é enviada antecipadamente, permitindo gastos durante a campanha eleitoral, o que não é permitido com outros tipos de recursos.
Dessa forma, é exigido que o repasse do recurso seja realizado, no mínimo, três meses antes do período eleitoral. No entanto, os valores podem ser efetivamente usados a qualquer momento, já que não há transparência nesse sentido.
Os parlamentares indicam o recurso no Orçamento da União sem especificar o que será comprado, deixando o uso livre para prefeitos e governadores. A única exigência com relação a destinação dos recursos é de que 70% seja, aplicados em investimentos e que nada seja usado para pagar servidores e dívidas, regra que já foi descumprida em diversas ocasiões. Neste ano de eleições municipais, 90% do dinheiro será repassado às prefeituras, com o restante destinado aos governadores.
Em janeiro, o TCU determinou que os municípios informem onde o dinheiro será gasto e apresentem essas informações em uma plataforma federal, acessível e pública, em até 60 dias. No entanto, a portaria publicada pelo governo para regulamentar os repasses não incluiu as recomendações do TCU, deixando de fora exigências da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Até o momento, foram liberados R$ 21 bilhões em cinco anos sem controle. Metade do dinheiro está concentrada em apenas 10% dos municípios brasileiros. O recurso liberado neste ano atende 906 emendas indicadas por 523 parlamentares, representando 88% do Congresso Nacional, do PT ao PL. Entre as prefeituras contempladas, metade do valor ficará concentrada em 554 cidades, representando apenas 10% dos municípios brasileiros, enquanto outros municípios recebem pouco ou nada.
Novo orçamento secreto
A nova modalidade foi uma alternativa de boa parte dos parlamentares que tiravam proveito do orçamento secreto. Isso porque o uso da emenda Pix tornou-se mais comum após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar o orçamento secreto inconstitucional. Já foram liberadas mais de 900 emendas do tipo apenas neste ano, das quais apenas cinco trouxeram alguma informação sobre o uso do dinheiro, no entanto, os documentos com as propostas não são acessíveis. Os recursos foram usados para para diversos fins, em boa parte, sem grandes benefícios para a população local. Como exemplo, os recursos financiaram shows sertanejos em municípios interioranos e até carrosséis de brinquedo.
Estados replicam modelo
Seguindo o exemplo do Congresso Nacional, ao menos 18 das 27 Assembleias Legislativas estaduais adotaram as emendas Pix. Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do país, foi o primeiro a implementar o modelo. Desde 2019, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) já pagou mais de R$ 400 milhões em transferências especiais, nome oficial das emendas Pix. O ex-deputado e atual senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) destinou, em uma única emenda, R$ 4,5 milhões para Divinópolis, cidade governada por Gleidson Azevedo, que é irmão de Cleitinho.
Em 2020, outros cinco estados aderiram ao modelo das emendas Pix: Alagoas, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. Em 2021, Amazonas, Mato Grosso, Piauí, São Paulo, Tocantins e Ceará começaram a distribuir as emendas. Nos anos de 2022 e 2023, Goiás, Paraíba, Acre, Maranhão, Pernambuco e Rondônia seguiram a mesma modalidade.
Em 2023, os estados destinaram um total de R$ 9,5 bilhões nas correspondentes leis orçamentárias para as emendas Pix, e Minas Gerais bateu recorde ao autorizar R$ 2,3 bilhões para os deputados. No âmbito federal, as emendas consumiram R$ 47 bilhões do orçamento da União.