Proposta inclui novas atribuições para a Polícia Federal e cria uma nova corporação federal, enquanto busca apoio para ampliar a atuação da União no combate ao crime organizado
Após mais de nove meses de discussões internas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva concluiu a redação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública e planeja encaminhá-la ao Congresso Nacional nas próximas semanas. No entanto, a avaliação do governo é de que o texto passará por modificações e complementos durante sua tramitação no Legislativo.
Entre os pontos que devem enfrentar mais resistência estão a ampliação das atribuições da Polícia Federal, que passaria a investigar milícias e crimes ambientais, e a criação de uma nova polícia ostensiva federal. Esta nova corporação seria originada da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que passaria a ser chamada de Polícia Viária Federal.
Outros aspectos da PEC, no entanto, têm maior apoio, tanto da base quanto da oposição. Destacam-se a proposta de constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e a proteção do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), sem possibilidade de contingenciamento.
Para demonstrar unidade em torno da pauta, o presidente Lula convocou quatro ministros para uma reunião no Planalto: Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), Vinicius Carvalho (Controladoria Geral da União) e Jorge Messias (Advocacia Geral da União). A reunião contou ainda com a presença do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, idealizador da PEC, e do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Durante o encontro, foram discutidos os ajustes finais no texto e as estratégias para garantir uma tramitação sem maiores obstáculos no Congresso.
O governo ainda avalia qual será o melhor caminho para a PEC: encaminhá-la como um projeto do governo, iniciando pela Câmara dos Deputados, ou optar por um senador aliado para lançar a proposta no Senado. A decisão deve ser tomada após reuniões entre Gleisi Hoffmann e os líderes partidários das duas Casas. A ministra ficou encarregada de agendar esses encontros com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para a próxima semana.
Gleisi Hoffmann acredita que o “clima propício” para discutir a PEC está presente, apesar de a prioridade do governo ser a votação do projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil. A ministra afirmou que as duas pautas podem tramitar simultaneamente. Lewandowski, por sua vez, considerou que a PEC está “madura” para ser levada ao Congresso e destacou a importância da proposta como uma forma de “organizar” o sistema de segurança no Brasil.
No governo, existe a expectativa de que a cúpula do Congresso não deixe engavetar uma PEC voltada ao combate ao crime organizado, especialmente por seu caráter de reforçar o protagonismo do governo na segurança pública, algo inédito nas gestões petistas. Esse movimento também reflete uma mudança interna, uma vez que segmentos da esquerda costumavam defender o distanciamento do governo federal de questões relacionadas à segurança, tradicionalmente de competência estadual.
Ao longo dos últimos meses, o ministro da Justiça trabalhou para viabilizar politicamente a PEC, que enfrentou resistência inicial de governadores e até de membros do próprio governo. Uma das principais alterações foi a inclusão das Guardas Civis Municipais (GCMs) no texto da PEC, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo “policiamento ostensivo e comunitário”. Essa medida visa ampliar o apoio parlamentar à proposta, que busca fortalecer a atuação da União no combate ao crime organizado e consolidar o SUSP.
A inclusão das GCMs na lista de órgãos de segurança pública, prevista no artigo 144 da Constituição, representa uma alteração importante. As guardas municipais atuariam em “ações de segurança urbana”, sem sobrepor as atribuições das polícias Civil e Militar, em cooperação com os demais órgãos do SUSP. Além disso, a primeira mudança no texto da PEC, realizada no início do ano, atendeu a um pedido de governadores e retirou a previsão de “observância obrigatória” das diretrizes do governo federal.
Com as mudanças, o governo tenta conquistar apoio amplo para a PEC, que se propõe a reformular o sistema de segurança no país, tanto na esfera federal quanto municipal. A expectativa é que, mesmo com os desafios, a proposta avance no Congresso, dada a urgência em aprimorar o combate ao crime no Brasil.