Entre promessas e realidades: Conheça o projeto de Marçal na Angola

Influenciador usa iniciativa em Camizungo como modelo para São Paulo, mas enfrenta críticas sobre resultados e transparência

O influenciador digital e candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), promete oferecer aos habitantes da região de Ombu uma vila localizada a 15 minutos de Luanda, Angola — vida digna e água limpa. O local tem sido utilizado por Marçal para ilustrar como pretende transformar São Paulo caso seja eleito prefeito. Para promover o projeto, o influenciador produziu um documentário no YouTube no mesmo dia em que anunciou a candidatura, há pouco mais de um mês. No entanto, os cortes feitos pela equipe do candidato divergem da realidade e muitas informações são distorcidas ou deixadas de lado.

O projeto em Ombu foi criado pela ONG brasileira cristã Atos, que atua no país há 14 anos e é sustentada por cerca de mil doadores, incluindo figuras como a pastora Ana Paula Valadão, o jogador Felipe Anderson e a cantora Anitta. Marçal menciona os doadores, mas não oferece muitos detalhes.

Segundo a ONG, Marçal tornou-se o principal financiador do projeto após conhecê-lo em 2019 por meio de uma seguidora. A iniciativa trouxe melhorias para a comunidade, como a construção de uma escola, um posto de saúde, um refeitório, uma horta sustentável e centros de capacitação.

No entanto, há aspectos que não são evidentes na publicidade. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, cuja equipe visitou o povoado, das quase 350 famílias que Marçal prometeu realojar com mão de obra local, mais de 300 ainda vivem em barracos de lata que alcançam 50°C durante o dia. A energia elétrica e a água, frequentemente exaltadas por Marçal, muitas vezes não chegam às 42 casas construídas até agora e causam novos conflitos por terras.

Mentalidade

A alegada “mudança de mentalidade” mencionada por Marçal e associados é questionada por alguns moradores. O advogado de Marçal, Tassio Renam, afirma que antes ninguém trabalhava na comunidade, mas Pedro Fortaleza, coordenador da associação de moradores, revela que, em 2018, antes da chegada de Marçal, os residentes já estavam envolvidos no centro de agricultura sustentável promovido pela ONG. Com isso, parte dos habitantes que ainda não foram beneficiados expressam desconfiança e protestam pelo uso das terras das quais dependem. Com o intuito de evitar maiores problemas, a associação de moradores monitoram de perto os conflitos para garantir a continuidade do projeto.

Após o início da iniciativa, outras famílias em extrema pobreza da região, alimentadas pela esperança de serem contempladas, começaram a se instalar nas proximidades, construindo mais barracos de lata ao lado das novas casas de tijolos ecológicos. As casas foram produzidas por cinco máquinas doadas por Marçal. No local, ainda há relatos de crianças comendo na presença de ratos, segundo a ONG, que afirma que as famílias originais estão registradas e que o governo local acompanha a situação.

Em um filme de 2020, Marçal aparece distribuindo água para crianças angolanas e prometendo um caminhão para perfurar um poço. No entanto, a primeira doação para um poço na região foi feita em 2017, por duas senhoras sul-coreanas. O poço não foi profundo o suficiente, e um fazendeiro português vizinho cedeu o seu para uso agrícola. Atualmente, existem outras duas fontes de água na área: um poço artesiano doado por cem empresários em dezembro de 2023, destinado ao consumo, e a água do governo, que a ONG encanou e é esporádica.

Poços contaminados

O segundo poço citado por Marçal, financiado por ele na região de Camizungo, a 50 km de Luanda, encontrou água contaminada com óleo ao atingir 90 metros de profundidade. Agora, a ideia é buscar água de um lago a 1 km de distância, com um custo estimado de R$ 250 mil e a obra ainda sendo orçada.

Marçal também afirmou à Revista Oeste na terça-feira (10) que “doou a rede elétrica”, mas a afirmação omite detalhes importantes. De acordo com o coordenador da associação de moradores, a energia chegou há um ano na região, mas apenas para a ONG. Em 2022, o administrador municipal doou 30 postes de madeira, e depois foi realizada uma vaquinha para comprar os cabos. Mesmo assim, a iluminação é precária e muitas vezes insuficiente.

Marçal usa a iniciativa filantrópica como exemplo de política pública para São Paulo, mesmo que dependa de doações voluntárias e o custo total não seja claramente conhecido. A ONG Atos afirma que é difícil estimar o custo devido ao caráter gradual das doações, que incluem estruturas inteiras vindas da China ou da Espanha, sem valores detalhados.

Valores questionados

Quando questionado sobre o valor total das doações, Marçal respondeu que visitará São Paulo em breve para mostrar pessoalmente. Ele teria arrecadado pelo menos R$ 4,5 milhões em dois leilões transmitidos ao vivo em 2023 e 2024, mas o valor exato do dinheiro próprio doado e sua aplicação não são claros.

O tema também foi levantado pelo pastor bolsonarista Silas Malafaia, que questionou: “O The Intercept trouxe uma grave acusação que você precisa explicar muito bem. Era para ter 90 casas, o que você fez com o dinheiro?”

O site mencionado por Malafaia relatou que as doações pedidas por Marçal à Atos foram feitas a dois CNPJs na cidade de Prata, Paraíba. A ONG rebate afirmando ter escritório físico na cidade, de onde vem seu fundador, o pastor Itamar Vieira, e que o Centro Vida Nordeste, dono do outro CNPJ, é parceiro desde 2017 e envia os recursos do Brasil. Vieira afirma que dez casas estão em fase de produção de tijolos e que as 300 casas estão previstas para 2025. No entanto, devido à demora na chegada dos recursos e ao fato de a construção ser feita pelos moradores, os prazos não são fixos. O pastor lamenta a politização do assunto na campanha eleitoral.

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