Irregularidades em acordos com associações resultam em bilhões desviados, com o envolvimento de ex-diretor de benefícios, políticos e servidores da alta gestão
Mino Pedrosa
Em uma investigação detalhada realizada pela Auditoria-Geral do INSS, foi revelado um esquema de corrupção envolvendo a aplicação indevida de descontos associativos em mais de 7,6 milhões de benefícios previdenciários. Apenas entre janeiro de 2023 e maio de 2024, os descontos somados já haviam atingido uma cifra bilionária, o que prejudicou milhares de aposentados e pensionistas. O esquema, que se estendeu por anos, foi possível devido à conivência de políticos, lobistas e servidores do INSS, incluindo José Carlos Oliveira, que, após ser nomeado Diretor de Benefícios, teve papel crucial na manutenção dos repasses as entidades, mesmo após a suspensão de alguns acordos em 2019.
As filiações dos beneficiários junto às entidades associativas e sindicatos eram feitas sem autorização e acarretavam em descontos, que somam R$ 3,07 bilhões.
O mecanismo central para a implementação dos descontos foi o Acordo de Cooperação Técnica (ACT), regulado pela Lei nº 13.019 de 2014, que estabelece parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil. O INSS firmou parcerias com 33 entidades, muitas das quais, segundo a auditoria, operaram sem a devida autorização dos beneficiários. Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, foram registradas 1.163.455 tarefas para excluir mensalidades associativas, das quais 90,78% correspondem a casos de descontos não autorizados pelos beneficiários.
O pico de solicitações ocorreu em abril de 2024, quando foram registradas 199.421 requisições.
As entidades responsáveis por esses descontos foram as mais variadas, com destaque para a CONTAG, COBAP, AMBEC e CONAFER, entre outras. Confira abaixo a lista completa:
A auditoria identificou falhas graves na formalização e fiscalização dos acordos. Muitos descontos foram aplicados sem a autorização prévia dos beneficiários, o que evidenciou um descumprimento da legislação vigente. Além disso, houve o desbloqueio irregular de benefícios, para facilitar o desvio de recursos, como no caso da CONTAG, que solicitou o desbloqueio em massa de 34.487 benefícios sem a devida confirmação dos titulares.
A auditoria recomendou a revisão de todos os descontos realizados sem autorização e a reavaliação dos custos operacionais envolvidos nos ACTs, com a exigência de ressarcimento pelos valores desviados. Além disso, foi solicitado maior rigor na fiscalização e no cumprimento das normas estabelecidas pela legislação.
Falta de documentação
A auditoria realizou uma análise amostral de 615 requerimentos de exclusão de descontos e descobriu que 1,95% dos beneficiários do grupo não tinham nenhum desconto registrado nos históricos de crédito, ou seja, apenas para esse pequeno montante as solicitações não foram procedentes. Para os 603 restantes, a Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão (DIRBEN) solicitou documentos como termos de adesão, autorizações de descontos e documentos de identificação para confirmar a legalidade dos descontos. Embora 20 das 29 entidades tenham fornecido a documentação solicitada até julho de 2024, outras 9 não apresentaram nenhum comprovante de autorização dos segurados para a promoção dos descontos.
Os documentos são obrigatórios pelos ACT, que estabeleciam que as entidades deveriam manter cópias digitalizadas das autorizações e enviá-las ao INSS sempre que solicitado. A falta de documentação comprobatória em várias entidades levanta questões sobre a legitimidade dos descontos aplicados e sobre o cumprimento das cláusulas acordadas.
O levantamento apontou a ausência de avaliação da regularidade fiscal antes dos repasses financeiros a diversas entidades, bem como a inobservância de ressarcimento integral dos custos operacionais dos acordos, o que gerou prejuízos ao órgão.
Irregularidades fiscais
De acordo com a análise documental, os repasses financeiros mensais para entidades ocorreram sem a verificação adequada das certidões fiscais estaduais e municipais, em desacordo com a legislação. Foram identificadas 68 ocorrências de irregularidades fiscais, das quais apenas 10 das 28 solicitações de regularização foram atendidas pela DIRBEN. Outras 40 entidades sequer se manifestaram e 18 tiveram as solicitações negadas.
Dessa forma, a taxa de inobservância das determinações fiscais atingiram 78%. Porcentagem que, ao incidir sobre os R$ 3 bilhões que foram repassados no período avaliado, representa o montante utilizado ao bel-prazer de figuras políticas, representantes de entidades, além da cúpula do INSS.
A auditoria também verificou se os custos operacionais relacionados aos ACT foram ressarcidos ao INSS. Nos planos de trabalho dos ACT, estava estipulado que esses custos seriam descontados mensalmente dos valores repassados às entidades, baseando-se nos relatórios da DATAPREV.
Os dados apresentados indicam que, embora valores tenham sido retidos para custear despesas operacionais, os relatórios fornecidos pela DATAPREV não detalham como os custos foram calculados. Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, foram retidos R$ 8,98 milhões, enquanto o valor bruto total repassado às entidades foi de R$ 3,06 bilhões.
A ausência de fiscalização rigorosa e de ressarcimento adequado dos custos operacionais evidencia a falta de conveniência administrativa e de interesse público na manutenção dos ACT. Além disso, a auditoria revelou que o INSS arca com custos que deveriam ser ressarcidos pelas entidades, contrariando o estabelecido nos próprios acordos e na legislação vigente.
A auditoria conclui que os descontos associados, além de prejudicarem os beneficiários, estavam sendo aplicados sem o devido controle, colocando em risco a transparência e a segurança das operações do INSS. A recomendação é de revisão rigorosa de todos os ACTs e a responsabilização das entidades e servidores envolvidos no esquema.