Parlamentares travam guerra fria nas redes sociais pelo engajamento dos eleitores; gasto com impulsionamento cresce a cada ano
Por Mateus Souza
O crescimento das redes sociais tem transformado as campanhas eleitorais no Distrito Federal, onde parlamentares como Chico Vigilante (PT) e Thiago Manzoni (PL), de alas opostas, utilizam os próprios perfis para comunicar-se diretamente com os eleitores, com discursos agressivos e emocionais, que mobilizam a população para algumas pautas. A estratégia, que inclui o investimento em impulsionamento de postagens, proporciona uma alternativa barata e inclusiva à propaganda televisiva, o que tem tornado a batalha digital por votos cada vez mais acirrada. Com as mudanças, são levantadas questões sobre até onde vai a legitimidade do discurso por votos na internet, onde há pouca regulação de conteúdo. O Fatos Online conversou com um analista político para elucidar as principais consequência desse fenômeno.
Um ponto levantado pelo analista político, que optou por ter a identidade preservada, é a guinada para pautas ideológicas, tanto por parte da ala mais conservadora quanto dos deputados de esquerda da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
“A polarização política de fato aumentou na CLDF. As eleições de 2022 representaram simultaneamente o fortalecimento do bloco de esquerda, com aumento da representação do PT e do PSOL (que hoje somam cinco deputados), e a chegada de parlamentares fortemente identificados com o bolsonarismo e com a defesa de pautas morais conservadoras. Ademais, manteve-se forte a representação política com base religiosa, calcada principalmente na eleição de evangélicos”, afirmou o especialista.
Ele detalha que, atualmente, os deputados governistas, mais identificados com a direita, possuem dois terços do parlamento. No entanto, isso não significa que os projetos do executivo têm apoio incondicional dos 16 deputados que compõem o grupo.
“Em suma, debates tornaram-se mais intensos e a produção legislativa adquiriu contornos mais ideológicos, mas a clivagem ideológica em votações de projetos propostos pelo Executivo apenas separa a esquerda dos demais deputados”, explicou.
Quanto ao teor dos discursos, o especialista afirma que a adesão a algumas pautas reflete o interesse dos eleitores, por mais que, em certas ocasiões, os debates fujam de temas mais relevantes para a realidade do Distrito Federal.
“Por mais que tenham incidência limitada sobre a realidade do DF, estão ecoando na opinião pública e é até natural que sejam objeto de interesse e de debate por parlamentares, que naturalmente representam opiniões e posicionamentos da sociedade. A propósito, a emoção é um elemento intrínseco à retórica, ainda mais em política. Os discursos têm por finalidade convencer ou persuadir, por via do emprego de argumentos racionais e de emoções, respectivamente. Assim, a introdução de ponderações técnicas tem valor e espaço no discurso político, mas sua incorporação ao debate público é limitada, simplesmente porque minúcias técnicas acerca de políticas públicas frequentemente estão fora do alcance de cidadãos leigos. Isso não significa que ela esteja apartada do debate, muito pelo contrário. Quando argumentos dessa natureza são intuitivos e de ampla aceitação, parlamentares tendem a utilizá-los à exaustão”, disse o analista.
Com relação à adesão das redes sociais, o analista político esmiúça que a ferramenta traz vantagens e desvantagens.
“Hoje a força motriz de redes sociais são vídeos curtos, com até um minuto de duração, preferencialmente menos. Nesse sentido, as redes sociais são uma faca de dois gumes. Por um lado, tornam a prática política mais difundida e mais acessível ao grande público, que frequentemente não dispõe de tempo nem de interesse para acompanhá-la. Por outro lado, contudo, a internet fez dos deputados ávidos por mais visibilidade, por declarações candentes e às vezes radicais – o chamado “lacre”. Como estão protegidos pela imunidade material, que protege a liberdade de expressão, a margem de atuação retórica nas redes para parlamentares é quase que ilimitada, o que não favorece a moderação. Essa tendência deve persistir enquanto durar o contexto político de polarização e radicalização”, finalizou.
Casos concretos
Em uma postagem nas redes sociais, Chico Vigilante mostrou documentos para comprovar a formação de carteis de postos de gasolina e solicitou à Secretaria Nacional do Consumidor, à Polícia Federal e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica que fosse realizada um fiscalização para combater a prática abusiva. A postagem serve para elucidar o trabalho do parlamentar e angariar apoio.
Chico Vigilante denuncia formação de carteis
Em outro post, Chico Vigilante assume uma postura mais agressiva. Ele usa xingamentos e critica o pastor Washington Almeida, de Tucuruí, no Pará, por uma fala proferida durante um culto em uma igreja evangélica, em comemoração aos 90 anos da Assembleia de Deus. Segundo o pastor, o nascimento de bebês com Transtorno do Espectro Autista (TEA) está atrelado a ações demoníacas no ventre de gestantes.
Chico Vigilante critica fala de pastor
Já na ala conservadora, o distrital Thiago Manzoni (PL) falou, durante o evento “PL mulher” realizado na última quinta-feira (18), sobre os papeis sociais de homens e mulheres. Ele disse que existe um embate entre o comunismo e o cristianismo. Além disso, o deputado chegou a afirmar que os homens da geração atual são frouxos porque “eles” destruíram a masculinidade e agora buscam destruir a feminilidade.
Thiago Manzoni fala sobre papeis sociais de homens e mulheres
A parlamentar Paula Belmonte (Cidadania) também utilizou as redes sociais para denunciar uma prática ilícita: o desvio de merenda escolar. Ela afirmou que qualquer pessoa envolvida nesse tipo de prática deve ser imediatamente exonerada. Belmonte ainda defendeu a regulamentação para a instalação de câmeras nas cantinas e mencionou problemas relacionados ao direcionamento de algumas licitações, que, segundo ela, são amplamente reconhecidos.
Em 2023, os deputados da CLDF gastaram R$ 661.924 com divulgação parlamentar em verbas indenizatórias. Foi o segundo maior gasto, atrás apenas dos recursos destinados ao aluguel de veículos. Já em 2022, o gasto total dos distritais com divulgação foi de apenas R$ 231.427. Além disso, nessa época, o serviço figurava em terceiro entre os maiores gastos. Em apenas um ano, o valor investido com divulgação teve um crescimento de 65%.
Na última eleição federal, apenas no primeiro turno, a estratégia digital custou R$ 120,9 milhões, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse valor supera significativamente os R$ 98 milhões gastos durante os dois turnos de 2018, ajustados pela inflação. Em contrapartida, os investimentos em programas eleitorais para TV e rádio, que anteriormente representavam quase metade do gasto em propaganda eleitoral, caíram 32%, passando a corresponder a menos de um terço do total.
Eleições Municipais de 2024
Como contramedida para essa tendência, a disputa eleitoral de 2024 trará novas regras para candidatos que utilizam o meio digital para divulgar suas propostas e conquistar eleitores. A resolução 23.732, aprovada este ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proíbe o impulsionamento de conteúdos falsos ou “gravemente descontextualizados”. Além disso, o texto veta o impulsionamento de propaganda negativa e a priorização paga de conteúdos nos buscadores da internet. O dispositivo visa corrigir abusos identificados em campanhas anteriores que contribuíram para a disseminação de desinformação. Em 2020, os gastos com impulsionamento no Brasil chegaram a R$ 107 milhões, representando a 11ª maior despesa das candidaturas. Este ano, é provável que essa despesa aumente novamente, já que a aposta no digital tem crescido.
De acordo com os dados levantados pelo Instituto Informa, os candidatos a prefeito investiram mais em impulsionamento do que os candidatos ao legislativo municipal. Em 2020, os candidatos a prefeito representaram cerca de 55% do total investido em impulsionamento nas redes sociais. A pesquisa mostra ainda que o partido NOVO foi o que mais gastou com impulsionamentos, direcionando em média R$ 7,2 mil por candidato. O PCB (R$ 1,4 mil) e o PSOL (R$ 935) seguiram em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Outros partidos investiram menos no formato, com os candidatos do PT gastando, em média, R$ 290, e os do PSL, R$ 269.
Checagem
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Truth Quest e publicada em junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados compilados pela consultoria Snaq, mostrou que o Brasil tem o pior desempenho entre 21 países no quesito identificação de informações verdadeiras. O país fica atrás de nações como Colômbia, Suíça, França e Estados Unidos. Atrelado a isso, os usuários brasileiros de redes sociais são suscetíveis a acreditar em informações falsas, que podem, inclusive, serem divulgadas pelos próprios políticos.
A pesquisa revelou que, em média, 60% dos participantes globalmente são capazes de distinguir entre informações verdadeiras e falsas. No entanto, no Brasil, essa capacidade está reduzida a apenas 54% dos entrevistados.
No estudo, os participantes interagiram com conteúdos verdadeiros e falsos em uma interface que simula uma rede social. A pesquisa apontou que 71% dos entrevistados consideraram a sátira a forma de conteúdo mais fácil de identificar como falsa. Já no Brasil, existe uma maior dificuldade em reconhecer a sátira como mentira, já que 57% dos participantes cogitaram a informação como verdadeira.
Além disso, a pesquisa destacou que as redes sociais são o ambiente onde a identificação do que é falso ou verdadeiro é mais difícil. Na América Latina, mais de 85% dos entrevistados relataram buscar informações nas redes sociais com frequência. Os participantes que mais confiam nas redes sociais foram os que apresentaram o pior desempenho na identificação de notícias falsas. A média global de precisão na identificação de informações falsas entre os 21 países analisados foi inferior a 10%.