Além disso, o Congresso discute o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece o aumento de 5% nos salários do alto funcionalismo público a cada cinco anos de serviço
Os magistrados aprovaram em 2023 mais um benefício que, como consequência, tem gerado aumento dos vencimentos da categoria acima do teto constitucional e ainda mais gastos ao Estado, estipulados em R$ 284 milhões, conforme levantamento da ONG Transparência Brasil. Em outubro do ano passado, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi implementada a licença compensatória, uma gratificação que elevou os salários de juízes e desembargadores em até um terço. O bônus foi introduzido no mesmo período em que o Congresso discute o Projeto de Emenda Constitucional (PEC), conhecida como PEC do Quinquênio, que estabelece o aumento de 5% nos salários do alto funcionalismo público a cada cinco anos de serviço. A estimativa é de que a proposta em debate gere um impacto de até R$ 42 bilhões sobre folha.
O valor destinado ao pagamento do benefício aos magistrados pode ser ainda maior, já que as informações coletadas nos 27 órgãos estaduais e federais do Judiciário ainda são incompletas. Isso por conta da falta de transparência e uniformidade dos dados — fatores que têm dificultado a sondagem de entidades preocupadas em monitorar a atividade dos órgãos.
A licença compensatória garante aos magistrados que acumulam funções administrativas ou “processuais extraordinárias” um dia de descanso ou compensação financeira a cada três dias trabalhados. Em um mês, eles podem tirar até dez dias de folga ou receber a indenização correspondente. O limite anual é de 120 dias compensados, além do direito a até dois meses de férias convertíveis em dinheiro.
Por ser considerado indenizatório, o benefício não é tributado pelo Imposto de Renda e não está sujeito ao teto constitucional. A análise da Transparência Brasil mostrou que, com a nova gratificação, um número maior de magistrados tem ultrapassado o limite.
Por exemplo, no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o número de supersalários aumentou significativamente desde a introdução da licença compensatória em setembro do ano passado, passando de 874 para 1.059 no último mês. Os supersalários são caracterizados por serem superiores ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O valor serve de referência para o teto constitucional da magistratura e atualmente está fixado em R$ 44.008,52, em valores brutos. Com a adesão dos benefício, atualmente mais de 90% dos juízes e desembargadores recebem remunerações acima do teto.
A Resolução 528/23 do CNJ abriu caminho para a adoção da licença compensatória em todo o Judiciário brasileiro, seguindo uma resolução anterior de 2011 que já concedia benefícios semelhantes aos procuradores e promotores. Alguns tribunais, como os de Mato Grosso do Sul (TJMS) e do Paraná (TJPR), anteciparam-se à resolução do CNJ e implementaram o benefício antes de sua oficialização.
Enquanto isso, a discussão da PEC 10/2023 no Senado, que propunha um adicional de 5% nos salários a cada cinco anos para o alto funcionalismo, incluindo magistrados, foi temporariamente suspensa após um incidente no Rio Grande do Sul.
A adoção da licença compensatória pelo CNJ permitiu que os órgãos do Judiciário seguissem o exemplo do Ministério Público, que já havia implementado o benefício em 2023. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) inicialmente concedeu um bônus pelo exercício cumulativo em 2020, que foi transformado em indenização, escapando assim das restrições do teto constitucional. O movimento levou o Judiciário a também classificar o benefício como indenizatório, isentando-o de impostos e ampliando os salários.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) defende que a resolução do CNJ apenas buscava equiparar os direitos entre magistratura e Ministério Público, conforme prevê a Constituição.
Após a resolução do CNJ, outros órgãos como o Conselho da Justiça Federal (CJF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) seguiram o exemplo e também criaram normas para o pagamento da gratificação por acúmulo de serviço, gerando um efeito cascata na Justiça Estadual.